Charles Melman – 07/06/1998
Hospital Sainte-Anne, Conclusão das Jornadas: “Atualidade da neurose obsessiva”
Para concluir essas Jornadas que, eu acho, testemunham que no nosso grupo a questão da neurose obsessiva está inserida num movimento, num processo de interrogação bem interessante, bem favorável e talvez promissor, vou lhes fazer algumas observações rápidas, como minha contribuição sob a forma de agradecimento àqueles que se expuseram.
A dificuldade para estudar a neurose obsessiva é evidentemente a questão do lugar onde nos colocamos para estudá-la.
Se nos achamos numa posição obsessiva, caso mais freqüente e mais comum para aqueles que se prevalecem da racionalidade, pode-se dizer, pode-se pensar que será um fracasso: pois enquanto sujeito se está implicado demais no movimento próprio da neurose para ter o tipo de recuo, o tipo de retraimento que permitiria observar seu movimento.
Se estamos na posição histérica, a dificuldade está ligada à antipatia capaz de vir separar, opor histérica e obsessivo. É raro que a histérica, a posição histérica considere com uma “neutralidade benevolente” a posição do obsessivo.
Há, então, uma primeira dificuldade que explica, sem dúvida, por que é que essa neurose, na qual Freud via o futuro da pesquisa da formalização analítica, continua estagnada quanto a seu estudo: a posição na qual nos encontramos para estudá-la. Eu não vou lhes dizer qual é a que é preciso adotar, vocês certamente a encontrarão por si mesmos. Mas em todo caso, isso não se mostra impossível, não se mostra impraticável.
Uma segunda dificuldade me parece ligada ao seguinte: a neurose obsessiva se apresenta como uma esfera, o que faz com que vocês não achem plano de clivagem pelo qual possam abordá-la. E se vocês tentarem achar um, virá se opor a vocês uma espécie de crispação dos orifícios (me expresso elegantemente) ou então será levantada a questão do que é que justifica o próprio questionamento de vocês, por que é que vocês questionam: Vocês serão remetidos ao problema do que antecede, disso que serve de antecedente a sua própria questão, e vocês não conseguirão escapar.
O risco é, evidentemente, se vocês tiverem uma abordagem da neurose obsessiva menos infeliz do que a habitual, vocês mesmos produzirem, para dar conta dela, uma outra esfera, ou seja, cair no entrave que vocês estudam e se revelarem, afinal, não menos obsessivos; na medida em que a neurose obsessiva faz parte, poderíamos dizer, de nossa normalidade.
Isso quer dizer o quê? Que nós não podemos, espontaneamente, pensar o mundo senão como fechado, como pleno e como completo. Trata-se de um pensamento que deve tudo à dimensão do imaginário, sem dúvida imposto por nossa primeira apreensão da imagem do corpo. Em todo caso, não conseguimos pensar a organização do nosso mundo de outra forma: nosso mundo enquanto trancado, enquanto fechado.
Com isso, em nossa cultura, tudo que vem se inscrever no registro da defecção é imediatamente interpretado e analisado como puro acidente, ou seja, como algo a que bastará responder “de modo politicamente correto” para que essa defecção se veja corrigida, apesar de uma experiência histórica já bastante longa que mostra que não existe nenhuma correção para essa defecção. Mas nunca! Nunca, por exemplo, nossa vida social ou mesmo conjugal será pensada, será apresentada como sendo organizada por essa própria defecção, como o fato de que a defecção venha a se mostrar no centro do que faz laço entre falasseres. Esta maneira de pensar está reservada, até hoje, aos analistas, quando eles aceitam trabalhar um pouco, ou seja, sair dessa “normalidade”.
A questão, se de saída lhes apresento as coisas desse modo, talvez nos ajude a compreender o problema da escolha da neurose. Pois, com efeito, há, de saída, uma escolha a fazer:
– ou a escolha histérica – afirmação de que há, introduzida pela sexualidade, uma ferida no campo do Outro e, então, protesto histérico contra o que há pouco chamei de defecção.
– e depois a outra possibilidade: engajar-se num processo que consistiria em tentar controlar ou camuflar o que seria essa sexualidade, afim de restaurar o que seria a integridade do Outro.
Há, efetivamente, de saída, uma espécie de escolha possível entre a posição histérica e a posição obsessiva, ambas sendo articuladas em torno da mesma impossibilidade e da tentativa de responder a ela com os meios arcaicos e primitivos, ingênuos e estúpidos, os meios normativos que são os nossos. Freud insiste no fato de que haveria, para a menina, uma falta de gozo quando ela advém ao sexo e, para o menino, um excesso de gozo. O que, de minha parte, me permito entender como lembrança do seguinte: a relação à castração gostaria de que esse pedacinho que está presente lá no menino não estivesse ali, que esse pedacinho se apresentasse nele, de saída, como da ordem de um excesso, daquilo que não deveria; e a correção narcísica (eu o entendo como correção) que ele vem trazer para essa posse é um tipo de defesa, a meus olhos pelo menos, contra o fato de que, na realidade, ele teria que renunciar a ele. É o que Lacan vai figurar na representação da imagem no espelho, marcando esse pontilhado em torno da região sexual, ou seja, em torno disso que deve ser abandonado na relação ao grande Φ, na relação ao falo, o fato de que isso não deve estar ali. E Lacan também insiste muito sobre o que será o embaraço do menino quando isso que ele tem ali começa a querer falar sozinho, ou seja, a se manifestar: isso é capaz de lhe provocar alguma angústia, alguma dificuldade.
Portanto, isso em torno de que, parece, nós ficamos, nós giramos, são as duas grandes modalidades culturais para responder àquilo que parece ser nossa recusa mental, nossa recusa a admitir no mental que haveria uma falta no grande Outro, que haveria uma falta no mundo que habitamos – pouco importam as boas ou más razões para isso! – e as duas grandes respostas que temos para tentar remediar isso são, então, em épocas bastante próximas, o racionalismo e a religião, ambos constituindo, evidentemente, tentativas de simbolizar o real, ou seja, de dar conta do real pelo simbólico, de assegurar, sobre esse real, uma apreensão perfeita do simbólico.
O que, no mesmo movimento, mergulha o religioso a uma só vez na aflição: essa interrogação que ele terá, de saber se agindo assim ele não causa a perda de Deus. Já que, de algum modo, ele o desloca do real – que é seu lugar, sua casa, seu domicílio, e que lhe dá sua qualidade – para o campo do simbólico, daquilo que então seria suposto não só controlável, mas passível de ele próprio ser castrado. O que é que se poderia cometer de pior em relação a Deus do que pretender expô-lo assim à castração? Então, esse grande movimento tipicamente obsessivo do religioso, que consiste em tentar manter Deus à distância e, ao mesmo tempo, recusar, no entanto, que Deus se ache exilado num espaço que o colocaria, diante de sua criatura, num estado de alteridade irredutível. Então, especulação do teólogo: de que modo, de uma só vez, respeitar Deus e, ao mesmo tempo, remediar essa alteridade temível?
Chamo sua atenção, quanto a isso, mais uma vez, para o fato de que o trabalho de Freud sobre Moisés trata exatamente (enfim, exatamente…) da mesma questão que Lacan vai levantar com o nó borromeano no fim de seu percurso: Podemos prescindir de Deus como Nome-do-Pai? Vocês podem ler Moisés assim, como afirmação da alteridade do pai originário, alteridade irredutível, e vocês vêem como é que Lacan, no fim de seu percurso, vem colocar o que seria menos a questão de sua alteridade do que a questão de saber, ao mesmo tempo, mas ele segue o movimento freudiano: podemos, poderíamos prescindir dele? O problema é que essa tentativa obsessiva gira evidentemente em torno da evacuação – sirvo-me deste termo por enquanto – da instância representativa do desejo, ou seja, disso que se acha recomendado pelo Nome-do-Pai e se acha, evidentemente, responsável por essa falta no Outro: de que maneira dar cabo dessa instância fálica?
E se eu evoquei, a propósito da neurose obsessiva, o processo de foraclusão, é para chamar a atenção para duas coisas: em primeiro lugar, o recalque não consiste numa negação. Pois o que é recalcado não vai deixar de retornar, enquanto aqui se trata de expulsar, ou seja, de foracluir. O problema que Cyril Veken evocou em seu trabalho é que a verdadeira negação, a única que é autêntica, a foraclusão, essa não deixa vestígio. No enunciado não há nenhum vestígio restante da operação na qual se empenhou a foraclusão. Como concluíram muito bem Damourette e Pichon, não há negação em francês. Eu não posso negar: uma vez que uma asserção é colocada, não adianta enfeitá-la com o sinal da negação, isso não muda fundamentalmente nada! Eles escreveram isso ao mesmo tempo, é claro, que Freud! do qual Pichon tinha noção bem precisa.
Mas a única negação efetiva é a da foraclusão.
O problema, me parece, é que o obsessivo tenta em vão foracluir; como ele operou uma simbolização do real, ele não tem mais lugar que possa servir como local de despejo. É essa a dificuldade. E é por isso que nos interrogamos: será que no obsessivo se trata do recalque ou de uma foraclusão, e nesse caso como é que ele não é psicótico? E é verdade que alguns obsessivos dão perfeitamente o sentimento de serem psicóticos – ao passo que não o são, já que o Nome-do-Pai é, neles, o que funcionou devidamente, talvez até, por assim dizer, um pouco demais! E é na medida em que eles estão num estado de defesa, de reação a esse efeito, que eles estão engajados no processo de foraclusão da instância fálica que instala a dimensão do real. Portanto, a dificuldade do obsessivo é que para ele os canos de evacuação das águas usadas (sirvo-me freqüentemente dessa imagem extremamente graciosa) estão sempre entupidos. Então forçosamente isso retorna, reflui, é assim que seria preciso dizê-lo, o que evidentemente provoca uma séria desordem.
Será que temos um testemunho clínico disso? De que maneira isso retorna?
Pois bem, sabemos que o obsessivo tem, justamente pelas razões que acabo de dizer, muita antipatia pelo significante-mestre!
O obsessivo, por definição, é aquele para quem é insuportável que um enunciado ou uma enunciação queiram se colocar de forma imediata, é algo que o eriça, que o atiça. E ele terá então tendência a querer homogeneizar os significantes.
Mas isso lhe retorna da seguinte forma: esse significante que ele teria assim decapitado (se ouso me exprimir assim para não me servir de outros cortes que se evocam), esse significante lhe retorna sob a forma do imperativo, sob a forma da injunção.
E com esse estatuto muito particular da injunção, também tentei chamar a atenção para ele: não se trata de uma percepção comum, não se trata da percepção ordinária disso que se destaca sobre o fundo cinzento e uniforme do mundo de nossas percepções, não tem de modo nenhum essa qualidade. Não tem a qualidade alucinatória, mas tem uma espécie de relevo, de vigor, de nitidez que, no mundo de nossas percepções, é muito particular, que não é individualizada como tal, mas que vocês vão encontrar num sonho de Freud, que ele relata num breve artigo, Sobre a lembrança encobridora. Ele relata sua presença num prado, com duas mulheres idosas que estão no alto desse prado; e no sonho há a percepção das flores, em francês isso se traduz por “pissenlits”, mas em alemão é “dente de leão”. É muito bem registrado por ele, há na percepção uma espécie de relevo, de brilho muito particular desses “dentes de leão” no prado. É um sonho muito bonito sob vários aspectos.
Então, a injunção que retorna ao obsessivo merece esse tipo de aproximação, em todo caso merece ser isolada como individualizando uma qualidade perceptiva bem particular, na qual em seu duplo caráter injuntivo, ao mesmo tempo positivo e negativo, nós podemos reconhecer de forma despida, se ouso me exprimir assim, isso que é a qualidade própria a todo significante, que é, ao mesmo tempo, afirmar, se colocar em sua afirmação – “esse sou eu” – e ao mesmo tempo se negar: “ esse sou eu, essa afirmação só vale a partir do que eu não sou”. A propriedade de cada significante é de se impor por essa dupla valência, a um só tempo afirmação e negação, e que vemos desestruturada no caso da neurose obsessiva graças ao seguinte: pelo viés dessa foraclusão da instância fálica e da apreensão, pelo simbólico, do real, não há mais nada a que se possa dar crédito e que possa ser garantia da verdade. Não há mais! E a dúvida própria do obsessivo é evidentemente uma conseqüência de seu encaminhamento.
No mesmo momento, ele matou a relação possível com a verdade, essa verdade que é precisamente isso de que ele tem horror, essa verdade que o zero vem simbolizar bastante bem, e então ele vai procurá-la na cadeia simbólica e num nível, é claro, antecedente. E ele está sempre em busca do antecedente que, ele mesmo, tem um antecedente, que também tem, etc., entregando-se a essa atividade extenuante, sem nunca estar seguro de seu resultado, e tendo nitidamente o sentimento de que cometeu algum assassinato, que é sempre o que se poderia chamar de assassinato do pai, mas o assassinato do pai na medida em que ele é o que a simbolização, na medida em que ela fosse perfeita, viria consumar. Pois o pai morto só toma sua autoridade ao se manter no real, ao se manter nessa posição de alteridade e nessa condição de irredutibilidade da relação. Não adianta implorar, não adianta rezar, ele não tem absolutamente condição de me ouvir. Mas a operação própria da religião sendo a de assegurar, supor que a filiação venha resolver essa alteridade essencial, ao mesmo tempo poderíamos dizer que a filiação, a afirmação da filiação é igualmente o que vem, de alguma forma, matar esse pai – mas esse pai enquanto pai morto.
Em outras palavras, fazê-lo sair de sua tumba, fazer dele um fantasma, fazer dele um espectro, como pudemos ver.
Marcel evocava há pouco a questão do ato no obsessivo: nas injunções que ele recebe há, é o que é admirável, há essa injunção primordial, própria do significante, feita ao sujeito, que é uma dupla injunção: de um lado ir até o fim, ou seja, efetivamente não respeitar o que é da ordem do real. Mas esse “até o fim” pode também ser entendido como implicando o respeito pela castração. Esse “ir até o fim” gira muito facilmente em torno do fato de ter que renunciar (o Édipo está bem aí, de qualquer modo) ao que há de mais caro, ou seja, e é aí que uma equivalência absolutamente absurda se impõe a seus olhos, de ter que matá-lo. Ou seja, tudo o que se põe na conta da analidade. A analidade é evidentemente central, mas fazer a agressividade remontar ao que seria a expressão de uma economia anal é ir um pouco rápido! Essa agressividade do obsessivo está ligada a um efeito dessas próprias injunções, que são de ir até o fim. É preciso ir ao termo – subentendido o fato de que, com sua neurose, apesar de tudo, seu negócio fracassou e ele a tem fracassada, não vou retomar aqui o porquê.
Então é banal em nossa clínica encontrar o seguinte: quando você tem um ser que lhe é particularmente caro – o mais querido de todos os queridos! – formula-se bizarramente em sua mente, que bizarrice! a idéia de que o melhor talvez fosse que ele viesse a desaparecer e que esse desaparecimento, afinal, é que viria fundá-lo definitivamente nesse investimento e ligaria você a ele de uma maneira irredutível.
Quantas mães conhecem esse tipo de tormento em relação a seu filho! Elas ficam eminentemente chocadas e surpresas de poderem ter a idéia de jogá-lo pela janela e podem vir à consulta dizendo: “como é que eu poderia ter a certeza de que não o faria?”. O que é que aí vai fazer obstáculo? O que é que aí vai fazer impedimento, na medida em que, se a cadeia dos significantes faz círculo desse modo – eu insisto, cadeia metonímica, pois a apreensão do real pelo simbólico vem contrariar o jogo da metáfora, então a cadeia se organiza como sendo metonímica – portanto, como ter certeza de que eu não vou ser capturada por isso que emerge aí como impulso?
Bom! Eu não quero me estender demais a esse respeito! Seria preciso retomar um pouco o que foi lembrado por Darmon e também por Élie Doumit, ou seja, o caráter fascinante que pode ter para nós a lógica formal, bivalente em sua aurora. Na medida em que ela mostra que, a partir do momento em que passamos a uma busca da verdade, o que é que quer dizer “a verdade”? É extremamente simples! A verdade é que os marrecos, isso não tem três patas; quando é dia, fica claro; os cavalos são quadrúpedes, o homem é um bípede. Isto, isto são verdades, é assim e pronto! E, se nesse domínio, vocês dizem outra coisa, é falso! A verdade consiste numa adaequatio do intelecto e da coisa. Está posto, de início, assim. E é falso que os cisnes são brancos? Mas não importa! A partir do momento em que você viu cisnes brancos, todos os cisnes são brancos e se você disser que eles são verdes, palmas pra você! você está no erro.
Façam a questão, será que o pai se implica por si mesmo? Será que basta que ele diga “Eu! Eu sou pai” e pronto, está posto, p => p? Pois bem, justamente, de modo nenhum! Pois para poder se colocar como pai ele precisa de um conseqüente, ele precisa de um filho; acontece que, no caso, isso se chama um q, mas é assim! Senão, se não houver, não há pai, aí está!
Eu lhes faço essa observação, evidentemente esquisita, para lhes fazer valer o seguinte: o significante não pode se implicar a si mesmo, contrariamente àquele da injunção do obsessivo, pois eu chego a pensar que esse fenômeno da injunção, muito particular do obsessivo, está ligado ao que se passa quando o significante só toma seu poder, só toma sua autoridade de si mesmo e não está, de algum modo, freado por nada e menos ainda pela relação a um outro significante.
Então o que é que vocês vêem nesse caso? Vocês vêem que, se nesse jogo que eu lhes proponho e no qual o conseqüente, o sucessor vem se inscrever como estando ligado ao antecedente, a única maneira, para o sucessor, de invalidar o pai, acha-se inscrita na segunda fórmula: Vocês sabem, é estranho, nós poderíamos nos divertir verificando toda uma clínica com esse tipo de escrita! Basta que o filho torne falsa a função paterna, mostrando-se, ele mesmo, “desprovido de qualquer conseqüência”, se posso me exprimir assim, sendo completamente inconseqüente. No mesmo movimento, ele vem invalidar a posição paterna, mesmo se a posição paterna, por outro lado, é o que ela é, se mantém, se sustenta. E esse é evidentemente um dos grandes esportes do obsessivo, operar dessa maneira.
Há uma maneira de falar do obsessivo, suponhamos, como Ferenczi: o obsessivo, não é complicado, é alguém que permanece para sempre o menininho de sua mamãe. Ou seja, ele não quer privar sua mamãe do menininho que ela tanto amou por um monte de razões e se um dia ele se casa, ele vai arranjar para se casar uma outra mamãe e vai se empenhar, é claro! em procurar recompensá-la e fazer sua felicidade – pois é evidente que Mamãe, ela nunca foi muito feliz com Papai, isso é bem conhecido. Então, aí há uma vocação, um lugar a ocupar, e um dos encantos do obsessivo é, evidentemente, querer desse modo não fundar o pai em sua paternidade, mas fundar a mãe em sua paternidade, vamos dizer assim. Isso poderia ser uma maneira à Ferenczi, muito crua, assim, mas não falsa.
Haveria uma maneira que seria kleiniana (aí vamos, evidentemente, mergulhar no horror). O obsessivo, dissemos há pouco que retínhamos sobretudo a dimensão cômica em nossa encantadora assembléia, e é verdade que isso tem um lado forçosamente cômico, na medida em que, a instância fálica, ele se empenha em fazê-la cair – essa é a definição do cômico dada por Lacan. Mas trata-se de um cômico, é preciso dizê-lo, bem horrível. Há horrível e há horror porque ele é obrigado constantemente a se lavar as mãos. É evidentemente tão próximo do objeto, pelo fato de não ter sido marcado pela cesura que o obsessivo não consentiu, como esse objeto está na cadeia que é uma cadeia metonímica, ou seja, uma cadeia sem corte, que o objeto pode sempre, há sempre o risco de chegar lá e se achar então com as mãos um pouco emporcalhadas, isso! Então há esse lado horrível.
Melanie Klein adoraria isso, ou seja, estar-se-ia constantemente, para falar do obsessivo, estudando, evidentemente, o que se organiza em torno do orifício anal, evidentemente com razão já que ele se acha eminentemente investido pelo fato de ser erotizado. Pois se é o que o Outro quer, como não fazer confusão com o que o Outro deseja, e isso se torna então o objeto supremo. E o problema do Homem dos ratos, vocês conhecem bem o Homem dos ratos, não se trata do “Homem do cavalo”. Existe um “Homem do cavalo” nas observações de Freud, é o pequeno Hans. E vocês vêem logo que esses dois animais não funcionam de modo algum no mesmo registro: um é representativo da instância fálica, enquanto o rato é antes aquele que vem se nutrir com as dejeções do cavalo, não se trata de modo algum do mesmo animal! Então, a erotização do orifício anal, da qual o Homem dos ratos dá conta perfeitamente, ou seja, a idéia, evidentemente, de uma possível reabsorção, reintrodução do objeto, num jogo permanente com o objeto, Melanie Klein insistiria muito quanto a isso, das satisfações masturbatórias auto-eróticas desse tipo, e ela não estaria errada, isso também seria verdadeiro.
Há uma maneira que se poderia dizer antropológica ou naturalista de falar da neurose obsessiva, seria falar desses lares em que tudo foi arranjado entre o papai, a mamãe e o pequeno querubim para que, sobretudo, entre todos os três, nunca falte nada. Organizam-se numa espécie de pequena marmita deliciosa, assim, onde se fica bem quentinho e se ajeitam pra que o conforto recíproco seja absoluto, e na qual, verdadeiramente, desde que não se testemunhe interesse excessivo pela sexualidade, pois bem, pode-se realizar uma espécie assim de redoma em que o filho, evidentemente, pode ser o prisioneiro saciado! Aí está uma outra maneira de mostrar a tentação sempre presente no horizonte da neurose obsessiva, na medida em que é perfeitamente normativa. Tudo aquilo que vem se inscrever no registro do sensualismo ou que venha dar notícia da validade de uma experiência, ou de um objeto, pelo fato de saber se isso me satisfaz ou não, vem se inscrever nesse tipo de problemática.
E depois há maneira de Lacan que é mostrar que a neurose obsessiva, para além de suas incidências particulares que dão a cada uma sua particularidade, sua singularidade, trata-se sempre da estrutura desnudada e exibida. Vocês tem ali o esqueleto iluminado, sob luz plena, e o problema é saber se, o esqueleto, nós consentimos em levá-lo em conta ou então se preferimos romancear essa história toda.
Vou terminar por uma breve e sem dúvida última observação. Qual é o significado, se existe foraclusão fracassada do falo (eu expliquei porquê), qual é então o que assegura a significância das formulações do obsessivo?
Em primeiro lugar, o que nós sabemos é que o obsessivo tem como primeira propriedade não dar muito crédito ao que se pode contar – mesmo a seu próprio relato, aliás em geral é por isso que ele é eclético (“Fulano disse isso, depois o outro disso aquilo, o terceiro falou um pouco diferente e ainda tem o quarto”). O que faz com que, assim, no que diz respeito ao real que eventualmente incitou cada um, está-se seguro de perdê-lo completamente! Então, isso que é em primeiro lugar seu tipo de ceticismo irônico, divertido e inteligente (“é mesmo preciso conversar, mas enfim!”).
Em segundo lugar, isso não deve ter a menor conseqüência. Pois aquilo de que ele tem “horror”, para retomar esse termo de um instante atrás, é da possibilidade do ato, que se apresenta para ele de uma forma injuntiva, mas que ao mesmo tempo não se trata de realizar, já que é um ato horrível que eventualmente vem tomar o sentido de um assassinato ou de uma decapitação, como para o Homem dos ratos: cortar-se aquilo que é a parte corporal representativa da vida. Isso não deve se prestar a conseqüências: “Fazemos isso um pouco para nos divertir, fazemos colóquios, contamos histórias, cada um vem trazer sua cançoneta, enfim, tudo isso é bem normal” etc.
Mas localizemos bem a questão: o que é que para ele serve de referente? Será que vamos dizer, por exemplo, que é o objeto a? Aí, estamos nisso que foi evocado há pouco pelo Senhor X: a blasfêmia. A blasfêmia é evidentemente a invocação do vir a ser, não somente disso que é radicalmente mortífero, mas “você guardanapo! você cadeira!”, não sei o que mais ele disse a seu pai, objetos inanimados.
Será que há, na fala do obsessivo, um referente? Ou será que não haveria esse tipo de pura circulação de uma cadeia organizada de um modo metonímico e que faz com que, afinal, ela não faria nunca senão significar-se a si mesma? Talvez seja isso que dê a propriedade e o encanto do obsessivo, de nunca ter outra referência senão o próprio significante, na medida em que ele o destrói como significante para reduzí-lo a sua própria literalidade, à pura letra, ou seja, à pura materialidade do significante. A partir disso, ele se engaja num processo eminentemente científico, só podendo validar um conseqüente por um antecedente que, ele mesmo, está na cadeia, assim como o conseqüente. Ou seja, uma espécie de auto-validação na cadeia.
Será que alguém se cura de uma neurose obsessiva? Cabe a cada um de nós, tanto em sua prática quanto nas suas experiências subjetivas, ter que responder. Há pouco nossos amigos belgas levantaram muito bem a questão a propósito das mulheres obsessivas. Podemos conceber que, de início, uma mulher faça a opção não de vir contestar a sexualidade por causa do traumatismo que ela inflige ao Outro (posição histérica), mas que ela se devote, como o menino, a tentar fazer com que o grande Outro seja constituído por uma totalidade, O que a leva, no mesmo movimento, a se desprender de uma posição feminina que, como alteridade, é insuportável, pois, nem que seja enquanto alteridade, ela vem arruinar essa completude do Outro. Então, podemos perfeitamente compreender, a partir desse primeiro movimento, de que modo uma mulher pode efetivamente também se tornar obsessiva e também de que modo um homem pode se tornar histérico, é claro! Mas parece mesmo que seja em torno dessas duas respostas possíveis que se dá a escolha da neurose.
Então, para ficar no imaginário de Freud, será que a psicanálise deveria nos permitir responder de maneira diferente da opção neurótica, obsessiva ou histérica? Aí também cabe a nós responder.
Será que podemos aceitar o que Lacan formaliza em última instância com seu nó borromeano, mostrando que a falta no Outro não deve nada à intervenção edipiana? Pois os três nós, cada um sendo igualmente furado, se sustentam em sua própria materialidade, em nenhuma intervenção acidental ou cultural. Temos também, nesse encaminhamento de Lacan, a idéia de eventualmente vislumbrar outras respostas diferentes das neuróticas a esses impasses nos quais somos tomados e aos quais respondemos de maneira também astuciosa – isto é, por nossas neuroses.
Bom, obrigado a todos.
NT – Para ter acesso ao texto original, em francês:
http://www.freud-lacan.com/fr/44-categories-fr/site/202-La_rationalite_comme_symptome
Tradução: Sergio Rezende.